O esporte adaptado para pessoas com deficiência: entrevista com a Prof. Dra. Mey van Munster

Atuando há 28 anos com esportes adaptados para pessoas com deficiências, a Prof. Dra. Mey van Munster é uma das principais profissionais da área no Brasil.

Em meio ao processo de se tornar classificadora funcional pelo IPC, a professora avança com estudos e atividades no tema. Além disso, desde 2017, ela é um importante nome da parceria entre a CBDN e a UFSCar no desenvolvimento do Para Ski Cross Country em São Carlos.

Nesta entrevista, Mey explica um pouco sobre os caminhos do esporte adaptado no Brasil e sobre a parceria entre a UFSCar e a CBDN – Confederação Brasileira de Desportos na Neve. Confira!

Você poderia fazer uma breve apresentação do seu trabalho e área de atuação para nossos leitores?

Prof. Dra Mey van Munster: Atuo com esportes adaptados para pessoas com deficiências há 28 anos. Como docente universitária, atuo em três principais vertentes: 

1. Ensino: formação de recursos humanos para atuar no âmbito da atividade física e do esporte adaptado; oferto várias disciplinas em cursos de graduação e pós-graduação visando sensibilizar os estudantes e prepará-los para atuar nessa área.

2. Pesquisa: desenvolvimento de estudos, produção do conhecimento e publicações científicas na área de atividade física e esporte adaptado; coordeno o NEAFA – Núcleo de Estudos em Atividades Físicas Adaptadas, vinculado ao diretório de grupos do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq, e procuro reunir pessoas interessadas em estudar o assunto.

3. Extensão: atendimento direto à pessoas com deficiências físicas, sensoriais e intelectuais, em diferentes fases do desenvolvimento humano (bebês, crianças, jovens, adultos e idosos); coordeno o  PROAFA  – Projeto Atividades Físicas, Esportivas e de Lazer Adaptadas. Trata-se de um projeto de extensão universitária voltado à oferta de oportunidades de participação de pessoas com deficiências em atividades físicas e esportes adaptados, implementado em 2006. Além de prestar serviço à comunidade, o PROAFA também consiste em uma forma de colocar os estudantes em contato com as pessoas com deficiências e com os esportes adaptados, capacitando-os para atuar nesse segmento. É um orgulho acompanhar a dedicação e o envolvimento dos estudantes da UFSCar com as modalidades paralímpicas de inverno. Fico muito contente em saber que alguns de meus orientandos de graduação e pós, tenham se identificado com o Para Ski Cross Country  e que a parceria com a CBDN esteja permitindo multiplicar e aprofundar essa relação com a modalidade. E minha maior realização é pensar que hoje temos um atleta do PROAFA, O Robelson Moreira Lula, representando o Brasil em competições internacionais de Para Ski Cross Country e inspirando outros jovens a perseguirem esse sonho.

Como começou o envolvimento do núcleo de desenvolvimento de rollerski de São Carlos com a UFSCar?

Prof. Dra Mey van Munster: Em abril de 2017 fui procurada no Departamento de Educação Física pelo Leandro Ribela, Felipe Guimarães e Caio Freixeda, quando fizeram uma apresentação do planejamento estratégico da CBDN.

Fiquei encantada com o profissionalismo, a seriedade e a paixão dos rapazes da CBDN pelos esportes de inverno. Me identifiquei com os ideais da equipe e começamos a fomentar algumas ações em conjunto: o Leandro começou a fazer palestras sobre o Ski Cross Country e proporcionar vivências de Rollerski nas disciplinas sob minha responsabilidade, formatamos alguns cursos de curta duração visando preparar os acadêmicos da UFSCar para auxiliar nos circuitos de Rollerski, e procuramos apoiá-los durante a realização das etapas em São Carlos.

Enquanto isso, a participação da Aline Rocha e do Cristian Ribera se destacava nas competições internacionais e mais especificamente nas paralimpíadas de PyeongChang, na Coreia do Sul.

Em abril de 2018, a parceria entre CBDN e UFSCar se consolidou com o apoio da Fundação Agitos, que forneceu equipamentos e investiu em recursos humanos para a implementação do Núcleo São Carlos.

Em julho desse mesmo ano, a CBDN investiu em um curso de capacitação de classificadores funcionais e, desde então, temos procurado auxiliar a CBDN no processo de avaliação dos atletas do Para Ski Cross Country. 

Mais recentemente, temos conseguido apoio da Secretaria Municipal de Esportes, que concedeu três bolsas paratletas amadores como forma de incentivar a participação dos atletas na modalidade, além da destinação de verba de alguns vereadores do município para a continuidade das ações do núcleo São Carlos. A meta para 2019 é continuar disseminando o esporte e conquistando mais adeptos para a prática da modalidade.

Como você enxerga esse envolvimento e qual a importância dessa ligação com as atividades de extensão da universidade?

Prof. Dra. Mey van Munster: A parceria com a CBDN trouxe mais visibilidade para o esporte adaptado em São Carlos. Os nossos atletas estão mais motivados do que nunca, sentindo-se valorizados e dedicando-se com mais vontade aos treinos.

Não me refiro apenas aos bons resultados obtidos nas recentes competições, mas em todos os aspectos relacionados à prática esportiva, como a convivência saudável, o bem estar e a qualidade de vida decorrente da prática do exercício físico.

É gratificante perceber que eles querem compartilhar essa experiência e atrair a participação de outras pessoas com deficiências para o esporte adaptado. Isso tem empolgado bastante os acadêmicos da UFSCar, que acabam enxergando novas perspectivas de atuação profissional.

É uma satisfação ter nossos egressos hoje colaborando com o desenvolvimento da modalidade: o Taylor Brian Lavinscky Pereira, egresso do Programa de Pós-graduação em Educação Especial, está atuando como técnico da equipe de São Carlos; Welson Coelho, orientando de Iniciação Científica, tem feito um excelente trabalho na classificação funcional; a Fernanda Araújo e o Paulo Roberto Quirino estão fazendo seus estágios curriculares pela CBDN.

No ano passado tivemos a oportunidade de desenvolver alguns estudos, apresentar trabalhos no Congresso Paradesportivo Internacional e publicá-los na Revista Brasileira de Medicina do Esporte, sempre com a colaboração do staff da CBDN. A relação de apoio mútuo com a CBDN atribui sentido e significado para o trabalho que temos procurado desenvolver no âmbito do esporte adaptado.

Como você vê a relação treinamento e funcionalidade para desempenho nas competições e até onde o treinamento supera essas diferenças de “classes”?

Prof. Dra. Mey van Munster: A ciência e o conhecimento produzido nas universidades possuem um papel fundamental no desenvolvimento do esporte adaptado.

Avaliações físicas e funcionais permitem estabelecer parâmetros, conhecer os limites e as potencialidades de cada atleta durante a prática da modalidade. Isso permite que o treinamento possa ser adequado à condição individual de cada atleta, e direcionado ao seu melhor desempenho nas competições, por meio da periodização e adequações nos treinos. 

Como você enxerga a evolução e o papel da classificação funcional no esporte e nas competições?

Prof. Dra. Mey van Munster: A classificação funcional consiste em avaliar atletas com diferentes tipos e níveis de impedimentos, visando determinar a elegibilidade e a participação nas competições de Para Ski Cross Country em condições equânimes, visando uma competição mais justa.

Mas não se trata apenas de agrupar os atletas em categorias ou “classes esportivas”, de acordo com as deficiências: a compreensão da funcionalidade de cada atleta dentro da modalidade permite compreender alguns parâmetros biomecânicos que podem influenciar o posicionamento e o desempenho de cada um, de forma a estimular que cada atleta dê o seu máximo no esporte.

A classificação funcional é um processo dinâmico, que envolve saberes interdisciplinares e que devem ser constantemente atualizados, devido à própria evolução técnica, tática e tecnológica do Para Ski Cross Country. Há muito que estudar e aprender nesse campo. 

Resumo Curricular:

Possui bacharelado e licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (1991); especialização em Educação Física Adaptada (1992); mestrado (1998) e doutorado (2004) em Educação Física, na área de Atividade Física e Adaptação, pela Universidade Estadual de Campinas; Pós-doutorado junto ao Kinesiology, Sports Studies and Physical Education Department na State University of New York – College at Brockport (2013/2014). Professora associada no Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Núcleo de Estudos em Atividade Física Adaptada – NEAFA e Projetos de Extensão relacionados à temática. Professora visitante no Erasmus Mundus Master in Adapted Physical Activity Program – EMMAPA, na Faculty of Kinesiology and Rehabilitation Sciences da Katholieke Universiteit Leuven – Bélgica (2015) e no Department of Kinesiology da University of New Hampshire – Durham / EUA (2018). Orientadora nos níveis de mestrado e doutorado junto ao Programa de Pós-graduação em Educação Especial da UFSCar. Membro da Sociedade Brasileira de Atividade Motora Adaptada desde 1995. Membro da International Federation of Adapted Physical Activity – IFAPA desde 2011.