Leandro Ribela conta com duas participações olímpicas em seu currículo: Vancouver 2010 e Sochi 2014. Competindo pelo Ski Cross Country, ele também foi pioneiro no Biathlon de Inverno.
Atualmente, Leandro Ribela é Coordenador da equipe brasileira de Ski Cross Country, cuidando de toda a parte estratégica do desenvolvimento do esporte no país. Além disso, foi o idealizador do Projeto Ski na Rua, que apresenta o esporte de inverno à crianças e jovens em situação de vulnerabilidade.
Conheça a história de Leandro Ribela em uma entrevista exclusiva com o Brasil na Neve!
Começo de Leandro Ribela no esporte de inverno
Como você se interessou pelo ski cross country?
Meu interesse pelo ski surgiu aos 12 anos, numa viagem de família a Bariloche, na Argentina, onde tive meu primeiro contato com a neve. Fiquei fascinado com aquele ambiente e com a modalidade, mas o interesse da família não foi recíproco, então só voltamos mais uma vez para a neve juntos.
Aos 18 anos fui fazer um intercâmbio nos EUA e morei perto de uma estação de Ski Alpino. Lá eu comecei a esquiar com mais frequência e descobri que havia muitos universitários estrangeiros trabalhando ali através de um programa de intercâmbio chamado Work Experience USA. Logo, me inscrevi no programa para o inverno seguinte e consegui um emprego cuidando de crianças na escola de ski. Na primeira temporada, já passei por todo o treinamento que o Resort oferece aos instrutores de ski e ao final da temporada passei em uma prova que me permitia dar aulas de ski em qualquer resort dos EUA e tirar o visto de trabalho para a função. Assim, comecei a esquiar cerca de 120 dias por ano enquanto trabalhava e minha paixão pelo ski e pelas montanhas só cresceu.
A prática do Ski Cross Country surgiu naturalmente, já que sempre gostei e pratiquei esportes de resistência como corrida, ciclismo e Triathlon. O Ski Cross Country era a maneira mais próxima de treinar um esporte de endurance e manter a forma durante o inverno. Aos poucos a paixão pelo Ski Cross Country foi aumentando e resgatei um sonho antigo de me tornar um atleta olímpico, sonho que surgiu inicialmente na adolescência no voleibol.
Quais foram os principais desafios de treinar para um esporte de inverno em um país tropical?
Os principais desafios foram a falta de neve, locais para a prática da modalidade, profissionais capacitados para trabalhar com a modalidade e equipamentos disponíveis no país. Mas desafios existem para serem superados e esse desbravamento sempre me motivou bastante. Em 2005, após um training camp na Suécia, trouxe o primeiro par de RollerSki para o Brasil e comecei a treinar regularmente nos parques da cidade de São Paulo, onde morava, no campus da Cidade Universitária e em outros locais que identificava como interessantes para a prática da modalidade.
Fui buscar o apoio de profissionais de outros esportes de endurance no Esporte Clube Pinheiros, onde fui muito bem acolhido, principalmente pelo Beto Carnevale, que sempre se dispôs a estudar mais sobre o assunto para encontrarmos o caminho ideal para a preparação para uma modalidade de inverno no Brasil. Também tive a ajuda do Luiz Gandolfo, treinador da equipe de Triathlon, com quem sempre executei os treinos de corrida e ciclismo que fazem parte da preparação de um atleta de Cross Country nos períodos preparatórios e são comuns aos atletas de Triathlon.
Representar o Brasil em duas Olimpíadas de Inverno é um feito notável. Como foi essa experiência em Vancouver 2010 e Sochi 2014?
Vancouver foi a realização de um grande sonho. Me classificar para os Jogos Olímpicos de Vancouver foi uma grande recompensa, por todo o trabalho realizado nos 4 anos anteriores, pelas escolhas profissionais e pessoais que tive que fazer no caminho, pela busca incessante de treinar cada vez mais e melhor aqui no Brasil, mostrando que era possível treinar boa parte do ano em um país tropical e ainda assim se classificar para os Jogos de Inverno. Mas Vancouver deixou um gostinho de quero mais. Foi bom saber que estava no caminho certo e que era possível, mas eu queria ir muito mais além.
O ciclo de preparação para Sochi já foi bem mais profissional, com muito mais conhecimento e apoio técnico, profissional e financeiro. Os resultados melhoraram bastante e cheguei a Sochi muito mais maduro e com um entendimento muito melhor do esporte. Nesse momento eu já tinha começado o Ski na Rua há quase dois anos e estar ali tinha um significado muito especial não só pelo que aquilo representava para mim como atleta, mas o que aquilo representava para outros atletas que viam no esporte a mesma oportunidade que eu vi um dia e agora tinham a possibilidade de seguir um caminho que antes não existia.
Há algum momento marcante dessas Olimpíadas que você gostaria de compartilhar?
Tenho muitas histórias engraçadas e pessoas especiais que fizeram parte dessa trajetória. Mas há dois momentos bem marcantes:
Um deles foi a entrada da nossa delegação na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Vancouver. Entrar num estádio com 50.000 pessoas assistindo, com o narrador chamando o nome do Brasil, foi algo realmente hipnotizante. Me trouxe memórias desde a minha infância até aquele dia, sobre tudo que me dediquei para estar ali, as escolhas que tive que fazer ao longo do percurso, as pessoas que estiveram ao meu lado naquela jornada. Passou um filme de 30 anos na minha cabeça em dois minutos. E o mais especial foi ver minha família (mãe, irmã, esposa, alunos dos EUA e amigos próximos) segurando a bandeira do Brasil em meio a tanta gente, pois eles foram aqueles que mais acreditaram e sabiam de verdade o quanto havia batalhado para estar ali.
O outro foi uma das provas do Mundial de 2011, em Oslo, na Noruega, país número 1 no Ski Cross Country, com uma tradição milenar na modalidade. Havia 70mil pessoas no estádio. 15mil nas arquibancadas, mais 55mil espalhadas pelos 5km de pista. As pessoas acampavam à noite na neve para guardar lugar, subiam a pé de Oslo para a montanha, assavam carne ao ar livre a -15C. Era tudo muito diferente para mim e aquela cultura e tradição deles me marcou bastante. É como se fosse futebol no Brasil. Todo mundo assiste, todo mundo tem algo a comentar. A torcida era enlouquecedora, mesmo para um brasileiro que estava bem longe de um pódio. Com certeza foi a competição mais marcante da minha carreira.
Carreira após a aposentadoria
Após sua primeira participação em jogos, você fundou o projeto Ski na Rua em parceria com o triatleta Alexandre Oliveira. O que o motivou a criar essa iniciativa, e qual é a importância do esporte para os jovens brasileiros, especialmente de áreas periféricas?
Eu usava as ruas do campus da USP-SP para o treinamento do Rollerski e Ciclismo e sempre via crianças e adolescentes da São Remo que frequentavam o espaço no final de semana. Assim sendo, sempre pensava que eles mereciam participar daquele ambiente de forma mais democrática. Principalmente fazendo uma atividade esportiva, como a maioria dos visitantes do campus aos finais de semana.
Em 2012, uma simples iniciativa que tivemos de apresentar a modalidade a 4 jovens da São Remo nos mostrou o quanto aquilo influencia na autoestima deles. Na perspectiva das oportunidades, na forma de comunicação, na elaboração de planos e construção de sonhos. Foi aí que resolvemos estruturar o projeto e o que nos motivou foi acreditar no poder do esporte como ferramenta de educação, de inclusão social, de empoderamento e transformação.
O esporte é saúde, é educação, é lazer, é convívio social e em muitos locais falta espaço ou iniciativas organizadas para propor atividades para esses jovens de baixa renda, então iniciativas assim ajudam a combater doenças ligadas ao sedentarismo, abrem um canal de comunicação interessante com os educadores que podem fazer intervenções com os alunos ou familiares quando apropriado, propiciam diversão aos participantes , expandem o ciclo de amizades e abrem novas oportunidades como um todo.
Como o Ski na Rua tem impactado a vida dessas crianças e adolescentes, tanto dentro quanto fora do esporte?
O Ski na Rua é uma porta que se abre para eles explorarem suas capacidades e sonharem alto, independente do sonho de cada um. Qualquer um pode se matricular ali e esse acolhimento é o que muitos precisam no primeiro momento. Depois eles vão sendo guiados, de acordo com as necessidades e objetivos de cada um no esporte.
Um se tornou atleta olímpico, outros 5 participaram de 3 edições dos jogos olímpicos da juventude, muitos resolveram um problema de saúde como obesidade ou asma, outros tantos voltaram a frequentar a escola que tinha deixado de lado, alguns resolveram ingressar no ensino superior, um se formou em educação física com bolsa do projeto e se tornou treinador da equipe brasileira, e todos fizeram amigos, se divertiram e sentiram um pouco mais daquele ventinho no rosto e da sensação de liberdade que o Rollerski nos dá.
Então de modo geral, acredito que o Ski na Rua tem impactado esses jovens e a comunidade de forma bem positiva, mesmo sabendo que ainda há muito por fazer.
Hoje você atua como treinador e coordenador da equipe brasileira de ski cross country pela CBDN. Como foi essa transição de atleta para treinador e coordenador?
Acredito que a transição foi algo bem natural e aconteceu no tempo certo. Como acompanhei os desafios para o desenvolvimento da modalidade desde o seu início, como atleta, e sempre atuei ativamente para superá-los, buscando alternativas e apresentando propostas estruturadas para CBDN, poder criar um modelo eficaz e sustentável para o desenvolvimento da modalidade a médio e longo prazo, a mudança de papel veio naturalmente.
Estava em um momento que eu já me via muito mais útil contribuindo para o desenvolvimento e crescimento da modalidade no país do que buscando aumento de performance pessoal, sem ter chances reais de um pódio em competições de Copa do Mundo, Mundial ou Jogos Olímpicos.
Eu aprendi muito desbravando a modalidade nos meus dois ciclos olímpicos como atleta, e, pós Sochi, foi o momento ideal para fazer essa transição e poder compartilhar esse conhecimento em escalas maiores.
O que você mais valoriza ao treinar e coordenar novos atletas? Que lições da sua carreira olímpica você traz para o seu trabalho atual?
O Ski Cross Country é uma modalidade de endurance, então é importante pensar a médio e longo prazo, realizar um bom planejamento, definir objetivos claros, alinhar expectativas com todas as partes envolvidas, monitorar o seu desempenho e ajustar o seu plano de trabalho constantemente de acordo com a circunstâncias que vão surgindo. Para isso a consistência e paciência ao longo dos anos são fundamentais para obter os resultados almejados. Desafios existem para serem superados e não devem atrapalhar essa trajetória. É essa a mentalidade que valorizo e que trago para o meu trabalho atual.
Como você vê o futuro do ski cross country e dos esportes de inverno no Brasil? Há algum talento brasileiro surgindo no ski cross country que você acredita ter grande potencial? Quais são as suas expectativas para a próxima Olimpíadas de Inverno?
O número de atletas, qualidade do treinamento no Brasil e na neve e os resultados vem melhorando ano a ano, entretanto ainda há espaço para desenvolvimento e precisamos encontrar mais parceiros e fontes de financiamento para poder dar o número de oportunidades que os atletas que chegam ao alto rendimento precisam para continuar melhorando.
A maior parte dos atletas brasileiros melhor ranqueados hoje começaram a modalidade há pouco tempo em relação a outros atletas da elite. Dessa maneira, ainda não passaram por todas as etapas do seu desenvolvimento como atletas e ainda podem melhorar bastante seu desempenho nos próximos anos. Manex, Claudio Gustavo, Thiago, Victor e Duda são exemplos disso.
Para os Jogos Olímpicos, espero que consigamos manter o número de vagas conquistadas, aumentar o número de provas que participamos e melhorar os resultados em relação à última edição.
Quais são os próximos passos para o projeto Ski na Rua? Há planos de expansão ou novas iniciativas em mente?
O Ski na Rua apresenta um trabalho consistente há 12 anos e mesmo com a rotatividade alta na iniciação. Também conseguimos manter um número alto (quase 100) e estável de alunos regulares por ano. Infelizmente a arrecadação do projeto não acompanhou o seu crescimento, então seguimos priorizando a qualidade do atendimento ao público que atendemos, mantendo esse número ao redor de 100 alunos. Acredito que para expandir ações do projeto a outras comunidades ou aumentar o número de alunos atendidos, precisamos de novos parceiros e mais recursos. No momento continuaremos focados na nossa estruturação interna até conseguir dividir atenção sem prejudicar o que já fazemos bem-feito.
Leandro Ribela, qual é o seu maior sonho para o projeto Ski Na Rua e para o esporte no Brasil?
Para o Ski na Rua, meu sonho é oferecer o apoio necessário para o desenvolvimento integral de qualquer criança ou adolescente, em diferentes áreas, não só a técnico-esportiva. Sonho que consigamos usar o esporte como uma ferramenta de educação de forma mais abrangente com uma equipe multidisciplinar completa, atuando em várias áreas.
Pensando na modalidade como um todo, sonho com um início mais acessível, onde qualquer pessoa possa comprar um equipamento e sair andando por aí. Marcar uma aula com um professor capacitado, se filiar a um clube que apresente a modalidade, se inscrever em competições nacionais e se juntar a um grupo de treinamento.
Ainda há muitas barreiras para a entrada desse esporte no Brasil e ver mais gente praticando sem depender diretamente das ações que a CBDN organiza seria incrível e ajudaria muito a aumentar a nossa base de atletas.
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